quarta-feira, 23 de março de 2011

Maus frutos da semente de religião


Todavia, essa mesma semente tanto se corrompeu que só produz frutos ruins. Sendo este o caso, comete-se pecado principalmente de duas maneiras. A primeira é que os pobres homens, na busca  da verdade de Deus, não vão além da linha da sua natureza, como seria de toda a conveniência, mas avaliam a Sua grandeza conforme a rudeza dos seus sentidos. Com isso, não percebem, que quanto mais se empenham em conhecer a Deus desse modo, mais O fazem fruto da sua imaginação, criando-o de acordo com a presunção que os domina. Fazendo isso, eles abrem um abismo do qual não escapam; movam-se para este ou aquele lado, estão condenados. Assim é porque tudo quanto se esforçam por fazer para servi-lo lhes é inútil; nada disso é levado em conta, pois não é a Deus que honram, mas sim às imaginações do seu coração. Pois a inútil coberta que muitos costumam querer usar para desculpar a sua superstição foi destruída.
Acham eles que toda aparência de religião, seja esta qual for, mesmo quando desenfreada, é suficiente, mas não consideram que a verdadeira religião deve ter como sua regra universal a  conciliação com a vontade de Deus. Saiba-se que Deus não muda; não é um ser fantasioso que se transforma ao gosto de cada um. Verdadeiramente, pode-se ver com quantas vãs ilusões a superstição imita a Deus, quando o dever de todos é agradá-lo. Porque a superstição – a falsa religião – quase unicamente se apega a coisas que Deus declara sem valor, e negligencia ou rejeita as que Ele ordenou e declarou aceitáveis. Assim, todos os que se dispõem a adorar a Deus com religiões inventadas pela imaginação humana não adoram a Deus. Adoram, sim, as suas fantasias, pois não se atreveriam a zombar de Deus dessa maneira, a não ser que O tivessem criado à semelhança das suas fantasias. Por isso o apóstolo Paulo ensina que esse conceito vago e errôneo que se tem de Deus é ignorância de Deus  –  é ignorar a Deus. “Outrora, porém”, diz o apóstolo, “não conhecendo a Deus, servíeis a deuses que, por natureza, não o são.” Noutra passagem ele declara que os efésios tinham estado sem Deus durante todo o tempo em que não tinham o verdadeiro conhecimento de Deus; e não faz muita diferença se imaginam um deus ou muitos, porque sempre se afastam do verdadeiro Deus e O abandonam, só restando uma execrável idolatria. Temos que concluir, pois, com Lactâncio, que não existe religião legítima, se não estiver unida à verdade.
O segundo erro cometido pelos homens é que se deixam levar à força e contra a sua vontade a terem consideração por Deus, e não movidos por um temor decorrente da reverência à majestade divina. O que os move é somente o pavor causado pelo juízo de Deus, do qual têm grande horror, sabendo que dele não podem escapar. Contudo, de tal forma O temem que O detestam.
Por isso, o que a respeito disse o poeta pagão Estácio aplica-se bem à impiedade, e unicamente a esta. Disse ele: “O medo foi o primeiro produtor de deuses no mundo”. Certo é que todos os que têm seu coração afastado da justiça de Deus gostariam imensamente que fosse destruído o Seu tribunal, porque sabem que as  transgressões que eles cometem são por ele punidas. Movidos por esse desejo, eles guerreiam contra Deus, que não pode deixar de lado a aplicação da justiça. Reconhecendo, porém, que pende sobre eles o inevitável poder de Deus, do qual não podem esconder-se nem fugir, temem. E assim, para não parecer que eles desprezam totalmente a majestade divina, procuram cumprir esta ou aquela forma aparente de religião. Todavia, enquanto isso, não param de contaminar-se com toda espécie de vícios e de empilhar pecado e mais pecado, até violarem inteiramente a santa Lei do Senhor e dissiparem toda a Sua justiça. Nem ao me nos se deixam conter por esse falso temor, permanecendo em seus pecados e em sua vanglória; e dão rédeas soltas à sua intemperança carnal, em vez de se restringirem sob o governo do Espírito Santo. Mas, como tudo isso não passa de uma sombra vã de religião (que mal merece o nome de sombra), precisamos esclarecer, ainda que resumidamente, qual é o verdadeiro conhecimento de Deus, que somente ao coração dos fiéis Ele instila, como também o amor pela piedade que acompanha esse conhecimento.

7º Tese de Lutero - Deus não perdoa a culpa de qualquer pessoa sem, ao mesmo tempo, sujeitá-la, em tudo humilhada, ao sacerdote, seu vigário.

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